Brasil conduzirá testes clínicos da primeira vacina para hanseníase

Fiocruz liderará o primeiro teste clínico. Se os resultados forem promissores, a vacina poderá ser incorporada ao calendário de imunizações do Brasil

17.10.2024

Sala de vacinação recentemente inaugurada no Ambulatório Souza Araújo, que servirá como local para a realização da pesquisa. (Foto: Gutemberg Brito)

O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) realizará os primeiros testes clínicos no Brasil de uma vacina inédita contra a hanseníase, a LepVax. A autorização para o início dos estudos foi concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nesta segunda-feira (14/10), representando um avanço histórico na busca por novas soluções para o controle da doença, que ainda afeta milhares de pessoas no país. A LepVax é a primeira vacina específica para hanseníase a ser testada em território brasileiro, e o Instituto foi escolhido como centro clínico devido à sua atuação científica nos estudos sobre a doença.

Financiados por entidades internacionais e pelo Ministério da Saúde, os testes serão conduzidos pelo Laboratório de Hanseníase do IOC, que, além da pesquisa, presta atendimento a pacientes no Serviço de Referência Nacional em Hanseníase. Com alta capacidade para a realização de estudos clínicos, o laboratório dispõe de uma equipe multiprofissional e de infraestrutura para análises imunológicas e moleculares.

Classificado como um ensaio clínico de fase 1b, o estudo tem o objetivo de confirmar a segurança e a imunogenicidade da vacina. Segundo Verônica Schmitz, chefe substituta do Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz e líder do ensaio clínico, essa avaliação é importante porque, considerando o cenário epidemiológico do país, é possível que o sistema imunológico de grande parte dos brasileiros tenha tido contato anterior com micobactérias, o que pode influenciar a resposta à vacina. O cenário é o mesmo nos demais países endêmicos para hanseníase, onde o imunizante poderá ser adotado. 

Resposta imune dos voluntários será analisada pelo Laboratório de Hansneíase do IOC/Fiocruz. (Foto: Gutemberg Brito)

“No Brasil, mesmo as pessoas que nunca foram diagnosticadas com hanseníase podem ter tido contato com M. leprae, além de haver circulação de outras micobactérias, como a responsável pela tuberculose. Além disso, os brasileiros recebem a vacina BCG ao nascer. Essa realidade é distinta da dos Estados Unidos, onde não há transmissão da doença”, explica a imunologista. 

Caso os resultados do ensaio clínico sejam promissores, a vacina poderá ser incorporada ao calendário de imunizações do Brasil, que é o segundo país com maior número de casos de hanseníase no mundo, ficando atrás apenas da Índia. Nos últimos dez anos, o Brasil registrou quase 245 mil novos casos da doença, segundo o Ministério da Saúde. Em 2023, foram contabilizados 22.773 novos diagnósticos. Apesar de ser uma doença tratável e com cura disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), a hanseníase continua sendo cercada por estigmas e desinformação. Muitos casos são diagnosticados tardiamente, quando já ocorreram danos irreversíveis aos pacientes.

O Brasil é o segundo país em prevalência de hanseníase, atrás apenas da Índia, e responde por 9 em cada 10 casos da doença nas Américas. Só em 2023 foram contabilizados mais de 22.700  mil ocorrências. Em 2024, os casos já totalizam mais de 14.400. Marcada por forte estigma, a doença tem tratamento, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e deixa de ser transmissível com o manejo adequado.

A Enfermagem representa mais da metade das equipes de Saúde e tem papel fundamental na vigilância epidemiológica da hanseníase, inclusive na realização dos testes rápidos, que permitem um tratamento mais célere, contribuindo para conter a transmissão. Isto inclui, é claro, os profissionais de nível médio, que são a maioria nas equipes de Enfermagem. Os técnicos e auxiliares de Enfermagem também estão habilitados para executar os testes rápidos, sob supervisão de enfermeiros, de acordo com o parecer do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) sobre o tema.

Enfermagem tem papel fundamental na vigilância epidemiológica da hanseníase, inclusive na realização dos testes rápidos. (Foto: Gutemberg Brito)

Para o conselheiro do Cofen, Vencelau Jackson Pantoja, autor do parecer, a vacina representa um avanço importante para o controle dos casos de hanseníase e, futuramente, para a erradicação da doença. “A Enfermagem, que compõe a maior parte das equipes de saúde no Brasil, desempenha um papel essencial na vigilância epidemiológica. Sua atuação na realização de testes rápidos e na emissão de laudos permite um diagnóstico mais ágil e o início imediato do tratamento, fundamentais para interromper a cadeia de transmissão e melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, destaca Pantoja.

Hanseníase – Antes conhecida como “lepra”, é uma doença infecciosa que afeta a pele e os nervos. São sinais e sintomas da doença: manchas (esbranquiçadas, amarronzadas e avermelhadas) na pele com mudanças na sensibilidade à dor, térmica e tátil; sensação de fisgada e formigamento ao longo do trajeto dos nervos dos membros; perda de pelos em algumas áreas e redução da transpiração; pele seca; inchaço nas mãos e nos pés; inchaço e dor nas articulações; redução da força muscular nos locais em que os nervos foram afetados; dor e espessamento dos nervos periféricos; caroços no corpo; olhos ressecados; feridas, sangramento e ressecamento no nariz; febre e mal-estar geral; feridas nas pernas e nos pés; e, nódulos avermelhados e/ou doloridos espalhados pelo corpo. A transmissão se dá pelo contato próximo e prolongado com pessoas sem tratamento afetadas pela doença na sua forma multibacilar. Mas, a partir do início do tratamento, a doença deixa de ser transmissível. Em caso de hanseníase confirmada, as pessoas que moram na mesma casa devem ser examinadas e, se não apresentarem a doença, devem ser mantido acompanhamento periódico.

Sigilo profissional – lei nº 14.289 garante direito de sigilo às pessoas vivendo com hanseníase, assim como o vírus HIV, tuberculose, hepatites crônicas. O atendimento em serviços de saúde, públicos ou privados, deve ser organizado de forma a não permitir a identificação, pelo público em geral, da condição da pessoa que convive com uma dessas doenças. A medida é uma forma de evitar preconceito, constrangimento ou surgimento de outras barreiras sociais. A divulgação sujeita o infrator a penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bem como às demais sanções administrativas, e obriga-o a indenizar a vítima por danos materiais e morais. As penas serão aplicadas em dobro quando a divulgação da informação sobre a condição da pessoa for praticada por agentes que, por força da sua profissão ou cargo, estão obrigados à preservação do sigilo ou quando ficar caracterizada como intencional e com o intuito de causar dano ou ofensa.

Segundo a Fiocruz, interessados em participar do estudo podem entrar em contato pelo e-mail vacina.lepvax@ioc.fiocruz.br ou pelo telefone/WhatsApp (21) 93618-5232. 

Fonte: Ascom/Cofen

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